O fim do que não teve começo

Bárbara Rufino
5 min readJul 11, 2020

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Fazia umas cinco horas ou mais que ele não respondia nenhuma das minhas mensagens. Encontrava-me com medo do motivo de seu sumiço, e os barulhos ao redor da minha casa durante a madrugada não me ajudavam a não imaginar o pior. Eu sentia, eu juro que podia sentir que algo de ruim aconteceria naquela noite.

O telhado estalou e o que deveria ser um gato, parecia um homem andando. Meu coração apertou. Ele nunca demorava a responder. E se alguém tivesse entrado em sua casa? E se ele estivesse em apuros? Eu não queria que nada acontecesse com o que poderia ser o homem da minha vida.

Ele morava no bairro vizinho, então não demorou muito para virar em sua rua. Ele poderia estar numa festa e por isso não me respondia. Mas ele não era desse tipo. Eu o conhecia há pouco tempo, saímos algumas vezes e eu antevia, pressentia que eu era quem ele precisava. Eu via isso e sempre confiei nos meus instintos que, durante minha vida, provaram estar (quase) sempre certos.

Quando cheguei em seu endereço, me deparei com a escuridão. Todas as luzes da rua e das casas estavam apagadas. Me assustei por um momento, e senti um tremor chato me incomodar. Comecei a pensar que de fato teria algo errado sim, o problema era: o que eu iria fazer?

De pijama, dentro do meu carro, liguei mais algumas vezes e nada. Comecei a tentar olhar o telhado da casa, o portão, tentando ver algo irregular mas bulhufas aconteceram. Estava frio, olhei no banco de trás em busca de uma jaqueta esquecida, mas só encontrei o livro que ele me emprestou na última vez que nos vimos. Ele me contou que eu precisava ler, que era o livro da sua vida, mas eu nem havia dado uma olhada na primeira linha.

Sem nada para me aquecer, decidi sair do carro. Abri a porta e fui apertar a campainha… E coisa alguma acon. Desconsolei-me de uma forma doída. Eu ali, já pensava o pior.

Decidi tentar entrar na casa. Peguei uma chave minha e forcei a entrada, quando ouvi uma sirene subindo a rua. Congelei onde estava, sabendo que o que estava fazendo poderia me incriminar de mil formas diferentes. O toque foi aumentando de volume e percebi que, na verdade, era um daqueles guardinhas que a gente paga uns dez reais por mês para que ele “vigie” sua casa a noite. Ele me olhou no mesmo momento que olhei pra ele. Lentamente, foi parando.

“Ei, você. Tudo bem aí?”, ele perguntou de uma forma nada agradável. Uma pedra pareceu surgir em minha garganta. Eu disse que sim, que estava tentando ver se meu amigo que morava ali estava bem. Ele ficou desconfiado e disse que não poderia ir embora sem de fato comprovar que eu conhecia a pessoa que ali morava. Bela hora de eu saber que eles de fato fazem algum serviço.

Liguei pra ele mais uma vez, voltei a gritar seu nome e balançar o portão. Alguns vizinhos apareceram em suas janelas para saber quem é que estava gritando na rua umas duas da manhã, mas nada dele. Até o que guardinha tacou uma pedra na porta de sua varanda. Gritei de susto e minutos depois, ele apareceu, visualmente intacto e com uma expressão assustada no rosto, que aparentou piorar quando me viu.

“Tá tudo bem? O que aconteceu?”, ele perguntou pra mim e para o guardinha. O homem do meu lado falou primeiro que eu, dizendo que me viu tentando entrar na casa e queria saber se eu realmente era sua amiga antes de me “liberar”. Ele disse, meio inquieto, que sim, que ele me conhecia. Eu abri um sorriso e quando fui me explicar, alguém apareceu do seu lado.

Uma mulher de cabelos bagunçados e uma camisola curtinha esfregou os olhos quando saiu pra fora, olhando de cima para baixo, para o guardinha e eu. Meu estômago se revirou todinho. “Essa moça aqui disse que não estava conseguindo falar contigo e veio aqui te ver”, o guarda disse, quando viu que meu olhar travou na moça e minhas palavras não formaram som.

A morena da sacada franziu o cenho olhando para mim ali, em pé, em frente a casa de seu… Namorado? Marido? Amigo? Eu senti minhas bochechas arderem, me senti uma adolescente novamente. Por que eu tinha ido até ali para começar???

Para piorar minha falta de jeito, ele explicou que o bairro todo havia ficado sem luz durante as últimas cinco horas e não havia previsão de quando iria voltar. Isso justificava a falta de comunicação, mas não a mulher de camisola do seu lado. Os dois haviam parado de falar, e a mulher da sacada perguntara a ele quem eu era. Ele nem corou quando foi questionado, acho que, para ele, eu era só uma ficante mesmo, que ele beijava as vezes.

Respirei fundo e consegui articular frases. Pedi desculpa pelo incômodo e disse que estava ali porque iria viajar no dia seguinte bem cedo e precisava devolver o livro dele que havia ficado comigo, e fui até ali porque não havia conseguido falar com ele pelo celular.

Ainda com os músculos duros de tensão, abri a porta do carro e peguei o livro. Ele me pediu pra jogar pra ele. Nem descer para abrir a porta pra mim ele iria. Joguei o livro e ele agradeceu. Me perguntou sobre a viagem e disse que iria visitar a minha avó, em Fortaleza, o primeiro lugar que pipocou na minha mente.

Senti o guarda me olhar desconfiado. Nos despedimos e ele entrou. O guarda tentou descobrir o real motivo de eu estar ali, mas eu fugi das perguntas, entrei no meu carro e fui embora. Meu coração se desmanchava no peito. Eu não sabia se ela era outra mulher como eu, ou a sua companheira contínua.

Meu coração se mexia doído no peito enquanto voltava pra casa, pensando que talvez eu preferia viver sem ter conhecimento do que estava acontecendo na sua casa no momento em que minha angústia tomou posse.

Eu estava certa sobre sentir que algo ruim iria acontecer naquela noite: eu estava com um livro a menos na minha biblioteca, um saldo negativo de dignidade restante, precisava arranjar dinheiro para visitar uma avó que nem existia mais e me recuperar do término de um romance que nem havia começado.

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